A reforma da Capela da Confraria e o «Legado Pequeno»
Efectivamente, em 1748, capitula-se a determinação que mais haveria de alterar o traçado, quiçá medieval, da antiga «ermida de S. Nicolau». Escreveu assim o visitador:
Visitei o Santíssimo colocado na capela de Nossa Senhora da Saúde. Louvo muito aos irmãos da Confraria o zelo com que procuram a sua veneração; porém, como, para se expor na mesma capela o Sacramento, se precisa de tribuna, e me consta é opulenta a dita Confraria, manda os oficiais dela, no termo de um ano, mandem fazer tribuna e acrescentar capela-mor, levantando o arco dela, para que fique com mais capacidade, cuja obra farão a arbítrio do Reverendo Pároco, que, espero, com o seu voto, fique com a perfeição devida.
O pároco chamava-se António de Sá Tinoco e já assinara no livro dos Capítulos em 1746. Terá falecido aí por 1775, sendo autor do «legado pequeno».
As obras realizaram-se; à excepção talvez da torre, devem datar de então quer o exterior quer o interior com que esta igreja hoje se apresenta.
Em 1781, a tribuna e o retábulo a ela posterior sofreram modificações que merecem ser assinaladas. Ordenadas desde 1763, mas foram-se protelando por falta de dinheiro. O que se mandara era o seguinte:
Os oficiais da Confraria de Nossa Senhora da Saúde, no termo de um ano, mandarão dourar o retábulo da mesma Senhora com a sua tribuna, para se expor o Senhor com decência e se evitar o perigo de incêndio (...)
Página inicial do documento do «legado pequeno» do abade António de Sá Tinoco
De acordo com um termo de 1781, chamado o dourador, ele achou que havia madeira velha e carunchenta e por isso concordou-se «em fazer a tribuna de novo, aproveitando toda a madeira que está nova e também o altar de almofada». Embora as obras empreendidas tenham merecido ainda no mesmo ano um rasgado elogio do visitador, pois estava a fazer-se «obra mais esplêndida do que se capitulou», algo se perdeu. Uma vez que a tribuna tinha a ver, primeiro que tudo, com a exposição do Santíssimo, inutilizou-se o retábulo da Senhora da Saúde, onde estariam as tábuas carunchentas, que, deslocadas do lugar de origem, destoariam no meio do ouro novo, elas que vinham com certeza desde a instituição da Confraria. Em seu lugar ficou, pouco mais pouco menos, o que lá se vê hoje, com motivos para enquadrar a exposição do Senhor.
Documento que conserva memória das mudanças da talha do altar-mor e seu retábulo.
No sumário do documento que faz fé do legado do reverendo António de Sá Tinoco lê-se:
Escritura de legado, trespasse de direito e acção que faz o reverendo António de Sá Tinoco, abade de S. Pedro do Monte, deste Couto de Fralães, em 15 de Novembro de 1767.
Além da escritura, conserva memória ainda deste legado um termo de 1776, numa folha a desfazer-se, mas donde, apesar de tudo, se pode retirar ainda que pelos mesários «todos juntos e cada um in solidum foi dito que aceitavam o legado do reverendo abade António de Sá Tinoco, que foi desta freguesia, na forma que o aceitou a mesa do ano de 1767 e na forma da final sentença que se proferiu na Juízo dos Resíduos e Relação da corte e cidade de Braga (...)».
O capital do legado era de 80.000 réis. O legatário contudo não passou de sua própria mão para a do tesoureiro da Confraria este dinheiro, transferiu, digamos, um título de dívida. O padre António de Sá Tinoco emprestara os 80.000 réis a Francisco Martins e sua mulher, Maria de Araújo, do lugar do Rio, «para os gastos de seu filho Frei Manuel quando entrou para a religião» (isto é, quando ingressou no convento ou mosteiro); agora o mesmo padre «dava, doava, cedia e trespassava na dita Confraria da Senhora da Saúde todo o direito dos oitenta mil réis (...) e na dita Confraria, disse, transferia toda a acção e jus executivo da sobredita quantia, e, passado que seja 15 de Agosto do ano de 1768 poderão os oficiais da dita Confraria arrecadar os ditos oitenta mil já os faz procuradores «in rem suam propriam», com livre e geral administração (...)».
«Milagre que fez N. S. da Saúde a Maria Rosa da Costa, mulher de António Cardoso, do lugar de (ilegível, mas talvez de Viatodos), que, depois de sofrer por largos tempos uma perigosa erisipela na cabeça, obteve, pedindo diante da mesma Senhora, com seu marido e seu menino e menina; logra feliz saúde desde o ano de 1797 para diante».
A obrigação do legado era de «mandarem dizer, todos os anos enquanto o mundo durar, vinte missas rezadas, esmola de duzentos réis cada uma, e ditas na capela da Senhora da Saúde, da dita freguesia de S. Pedro do Monte, pela alma dele doador ou por quem as quiser aplicar em sua tenção (...)».
O dinheiro continuou, a juro de 5%, nas mãos de Francisco Martins, mas só pagaria, e as missas também só seriam rezadas, após o falecimento do padre Tinoco. Os devedores «obrigavam suas pessoas e todos seus bens móveis e de raiz, presentes e futuros, direito e acção deles e terça de suas almas; e que, por especial hipoteca desta dívida e seus juros, obrigavam a seu prazo, foreiro ao fidalgo de Fralães (...)»
Entre as testemunhas do acto, contavam-se um tal Matias Ribeiro «cirurgião, da freguesia do Salvador de Ruivaães, termo de Bracelos».
É que os senhores de Fralães eram possuidores de bens em Ruivães e de lá viera o ramo de Correias e Lacerdas que então aqui era senhor. O documento remata nos termos seguintes:
E não continha mais a dita escritura, que aqui bem e fielmente fiz copiar do próprio, a que me reporto, em meu livro de notas, que fica em meu poder e cartório. Fralães, de Outubro 15, de 1805 anos.
Nos últimos anos de Setecentos, a Confraria afundou-se em grave crise, de que temos notícia quase exclusivamente através dum Livro de Contas cujo primeiro termo de abertura (tem outro) data de 1795. Eis alguns dos dados mais relevantes que daí é possível colher:
— desencaminharam-se os estatutos;
— deixou de haver eleições;
— morreu o tesoureiro e um seu herdeiro ficou com o tesourado;
— um tal capitão Inocência António, não sabemos com que autoridade, determinou que o tesourado andasse à guarda de moradores de Monte de Fralães, mesmo que não fossem irmãos;
— o pároco recebeu das mãos deste capitão 80.000 réis, provindos dos juros da consignação que fora feita ao Conde de Cavaleiros (cuja esposa era Correia de Lacerda e herdeira da casa), e pagara-se com esse dinheiro de serviços prestados à Confraria[1];
— multiplicaram-se as demandas;
— em Junho e Setembro de 1799, o desembargador dos Resíduos em pessoa vem tentar debelar a situação.
Para se fazer uma ideia da «desordem», da «ruína» reinantes, leiamos o requerimento e portaria seguintes:
Excelentíssimo e Reverendíssimo Senhor
Dizem os Confrades da Confraria de Nossa Senhora da Saúde, sita na sua capela da freguesia de S. Pedro do Monte de Fralães, que, sendo uma das confrarias mais opulentas daquele distrito, hoje se acha deduzida a um estado que se aproxima a finalizar por causa das muitas desordens que na mesma tem havido, com várias demandas a respeito do tesourado dela; e, para se evitar esta desordem, foi o Desembargador Juiz dos Resíduos àquela freguesia, para dar as providências justas para a sua conservação e aumento; e, deixando uma providência saudável a respeito do tesourado, esta pouco efeito surtiu pela razão de compreender só até à futura eleição, que deve ser na festividade de Nossa Senhora da Assunção, em cujo tempo querem os suplicantes que o mesmo Desembargador Juiz dos Resíduos assista à eleição, por não haver esta há muitos anos. Porém acontece haver naquela freguesia um capítulo de visita que manda que o tesourado ande na freguesia por giro nos seus fregueses, sejam ou não confrades, cujo capítulo serve de constituir a Confraria em maior desordem, por este ser a requerimento do Reverendo Pároco, causa e origem de ter chegado a Confraria a semelhante estado; e, para se evitar as futuras desordens e poder-se celebrar uma eleicão canónica entre todos os confrades, precisam que V. Ex. R.ma lhe faça a esmola determinar que aquele dito ministro, no acto da eleição, se conforme com os Estatutos e com tudo o que lhe parecer justo a bem e aumento da Confraria, para de uma vez se atalhar as desordens e ruína dela e se cuidar só no seu aumento, pela que pedem a Vossa Excelência Reverendíssima, em louvar da Mãe de Deus, assim o haja por bem, que pedirão à mesma Senhora prospere a Vossa Excelência Reverendíssima por dilatados anos. Receberão mercê.
Padre Custódio Gomes de Araújo Coelho, Leonardo Gomes de Araújo, Manuel José da Costa, Domingos da Costa, Manuel da Costa, António da Costa, Francisco José de Oliveira, Manuel Gonçalves da Cunha, António José da Costa, Feliciano de Lemos, Domingos da Costa, Manuel da Costa, Manuel José Alvares Leite, João António de Araújo, padre Manuel José Maciel da Aparecida, Feliciano José Rodrigues, Manuel Pereira, Francisco de Araújo, António José Leite, Manuel de Araújo, Manuel José do Amaral, o juiz capitão José Domingues da Silva, o alferes Manuel José Lopes, Domingos Pereira Barbosa, Manuel José de Araújo Silva, Francisco de Araújo.
Página de abertura dos Estatutos de 1800
Agora a «portaria»:
De mandado de Sua Excelência Reverendíssima, remetido ao Reverendo Desembargador dos Resíduos para o que se pede. Braga, 19 de Agosto de 1799.
A Confraria de Nossa Senhora da Saúde libertou-se de facto deste mau momento, com a intervenção do Juiz dos Resíduos, em Setembro deste ano. Em 1801, porém novo e demorado período crítico a espera, vindo do exterior.
[1] Era então senhora de Fralães D. Francisca Correia de Lacerda Melo Pita Pacheco, casada em segundas núpcias com o 2º Conde de Cavaleiros, D. Gregório José António de Eça e Meneses, membro do Conselho de D. João VI, estribeiro-mor da rainha D. Carlota Joaquina, grã-cruz da Ordem de Santiago e, na mesma ordem, comendador da comenda das Pontes em Alcácer do Sal, comendador da Torre-e-Espada, tenente-coronel do regimento do Cais (Cavalaria 7), que acompanhou a família real ao Brasil.
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