quarta-feira, 2 de setembro de 2009

UMA INSTITUIÇÃO QUADRICENTENÁRIA


Senhora da Saúde, flor mimosa
Na vertente da serra, entre os abrolhos:
A tua branca ermida prende os olhos,
Os corações tu prendes, Mãe formosa!

Lá em cima és estrela radiosa,
És nossa guia neste mar de escolhas,
E ouves as queixas que almas sem refolhos
Vão contar à tua alma carinhosa.

Salva-te a cotovia do alto monte,
Seus gorjeios te envia o rouxinol,
Louvores reza-te a vizinha fonte...

Das nuvens da manhã sobre o lençol,
Beija-te o sol surgindo no horizonte
E tu brilhas mais linda do que o sol.


Barbosa Campos (cerca de 1880)

      
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A «Confradia da Saúde»

Originalmente dizia-se «confradia» e não confraria. Ainda hoje se fala de confrades. A Confraria não era «de Nossa Senhora da Saúde», mas simplesmente «da Saúde»: Confradia da Saúde. Isto é, os confrades desta irmandade uniam esforços para cuidar da sua saúde. Claro que tinham uma padroeira, mas eles é que eram os confrades[1].
Veja-se como era assim neste registo de óbito de 1636:

Esta oliveira deve vir do século XVIII, de quando o Santíssimo foi foi colocado na capela da Confraria.

A 29 de Março se faleceu Isabel Gonçalves, de Urjães, viúva. Está enterrada dentro, em S. Pedro. Teve dois padres, além de quatro que foram da Confradia da Saúde. Era pobre; dizem deixou oito missas, a obrada foi limitada; disse as seis missas que faltavam. João Gonçalves, filho, morador em Lisboa, mandou fazer um ofício de dez padres. Pedro de Freitas.

Actual imagem de Nossa Senhora da Saúde no seu retábulo

A palavra «confradia» ainda ocorre nos Estatutos de 1800.
Quando nasceu esta irmandade?
A iniciativa da sua erecção deve-se com todas as probabilidades à Casa de Fralães. A propósito de confrarias, escreve-se na Enciclopédia Verbo, depois de se ter mostrado como, durante séculos, elas surgiram predominantemente ligada a grupos sociais bem delimitados: «A nobreza tinha a de N.ª Sra. da Saúde». Parece assim que só ao nobre tronco dos Correias e Lacerdas de Fralães cabia instituí-la. Entre os vários argumentos abonadores deste alvitre, sobressai uma disposição do capítulo do mordomo dos estatutos de 1650, de que se conserva cópia e que adiante transcreveremos na íntegra:

Ordenamos que para melhor governo haja na porta travessa de Nossa Senhora e na grade do arco três chaves (...) A terceira chave estará sem­pre nas casas de Fralães para quando os senhores dela quiserem ir fazer oração.

No mesmo sentido aponta o facto de ainda nos anos trinta do nosso século ser pago foro aos herdeiros dos antigos senhores de Fralães pelo terreiro da capela em que esta confraria nasceu[2].
Tentemos ver um pouco do que se passava na Casa de Fralães por altura da fundação desta irmandade.
Cristóvão Correia de Lacerda, casado em 20/7/1587, era de certo o senhor desta honra ao virar do século e há-de tê-lo sido por mais alguns dez ou vinte anos. Das suas irmãs, uma professou em Guimarães [3] e outra em Estremoz. Dos dois filhos que teve, o mais novo fez-se dominicano, adoptando o sonante nome de Frei Bartolomeu dos Mártires, e o mais velho, António Correia de Lacerda, sucedeu ao pai.
Antigo cruzeiro da Confraria. Até há uns 40 anos, erguia-se a uns quinze metros da igreja de Monte de Fralães, com a inscrição voltada para ela.

Casado com certeza muito jovem, António Correia de Lacerda baptiou uma filha logo em 1605 e o primeiro filho varão e futuro herdeiro em 15 de Agosto de 1607. Três dos seus oito filhos morreram de tenra idade[4]. Entre os irmãos da sua esposa, D. Ana Figueira de Mendanha, além de um clérigo secular, que foi cónego e vigário geral em Braga, houve dois clérigos regulares e quatro freiras.
Não significará nada que o herdeiro de António Correia de Lacerda, Cristóvão Correia Pereira, tenha sido baptizado no dia da Assunção, dia em que sempre se celebrou e celebra a festa de Nossa Senhora da Saúde em Monte de Fralães. Contudo, se a Confraria tivesse sido fundada antes de 1610, ficava logo explicada a inexistência da provisão que lhe deveria ter dado vigência jurídica, pois só depois desta data se tornou obrigatória tal formalidade (isto mesmo parece implícito no documento apresentado adiante, ao afirmar-se que a Confraria seria da «Jurisdição Real desde a sua origem por se não mostrar a primordial licença do Snr. Ordinário pa se erigir»). Também na família da esposa deste último Correia de Lacerda, D. Catarina de Andrade, houve alguns clérigos: dois seculares, um dos quais foi desembargador da Relação de Braga, e um regular, beneditino.
Se acrescentarmos que na parentela próxima dos senhores desta casa havia pelo menos mais um dominicano, um cónego regular e duas freiras, poderemos fazer uma ideia de quanto ela era frequentada por religiosos e religiosas durante a primeira metade do século XVII [5].
Inscrição do Cruzeiro

Regressemos às considerações que vínhamos desenvolvendo sobre a Confraria. Uma vez que ela não foi erecta na igreja paroquial, precisou de uma ermida ou capela. Ora já em 1564 se assinala na freguesia uma «ermida de S. Nicolau», onde foram lidos, pelo abade Jácome Dias, os decretos do Concílio Tridentino, «porquanto ao presente não dizia missa ainda na nova igreja». A «nova igreja» era uma antiquíssima igreja que ele trasladara para o terreiro e que até 1564 se encontrou no alto do Monte d’Assaia. Terá sido então a antiga ermida de S. Nicolau que acolheu a nova devoção à Virgem Maria como Senhora da Saúde.


[1] Este trabalho foi redigido na década de 90 do séc. XX; por isso, quando se fala do século passado ou do último século, deve entender-se séc. XIX.
[2] Das contas da confraria, em 1939, constam 54$50 para pagamento do «foro do terreiro».
[3] O padre Jácome Dias lançou o seguinte registo da partida da primeira destas irmãs para a vida religiosa:
«Aos 8 do mês de Outubro de 1581, entrou a senhora D. Maria, filha do senhor António Pereira e da senhora D. Violante, no mosteiro das freiras de Guimarães. Foram com ela a senhora D. Violante e seus filhos Cristóvão Pereira, Diogo Correia, Manuel de Lacerda, e Estêvão Ferreira e outra muita gente. Nosso Senhor a faça santa».

[4] Se é certa a recordação que temos de uma leitura do primeiro volume dos Registos Paroquiais de Viatodos, a mortalidade infantil, à altura, tinha proporções de flagelo e poderá ter tornado mais urgente e oportuna a devoção à Senhora da Saúde.
[5] A nossa principal fonte para o assunto aqui tratado foi o Nobiliário de Famílias de Portugal, de Felgueiras Gaio, tomo 12, pp. 19 e seguintes.
Camilo Castelo Branco, no Senhor do Paço de Ninães, introduz como personagem de primeiro plano Leonor Correia de Lacerda, que, romanticamente, é destruída pela paixão. A história é situada temporalmente entre 1576 e 1622. Conquanto esta Correia de Lacerda seja apenas parente próxima dos donatários da Honra e Couto de Fralães, numa das páginas de um dos capítulos finais pode ler-se:
Assim se dobaram dois anos, em que os frades, por vezes, foram a Fralães entender-se com os herdeiros das casas de Reboredo e Pouve, por falecimento de Leonor. Ao senhor da honra de Fralães desconvinha que a viúva de João Esteves desatasse a alma das pias amarras dos franciscanos.

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